Novas terapias em Linfoma de Hodgkin

Dr. Cristiano Fernandes,
 médico hematologista do Centro de Combate ao Câncer.

O desfecho clínico dos pacientes com Linfoma de Hodgkin, estádio I-II e fatores de prognóstico desfavoráveis, melhorou de forma significativa nos últimos anos com a utilização do tratamento combinado (quimiorradioterapia). Estudo do Grupo Alemão de Estudo de Hodgkin (GHSG) apresentado no Congresso da Sociedade Americana de Hematologia – ASH, realizado em dezembro de 2010 nos EUA, trouxe novas expectativas no tratamento da doença. O estudo “Dose-Escalation with BEACOPP Escalated Is Superior to ABVD In the Combined-Modality Treatment of Early Unfavorable Hodgkin Lymphoma: Final Analysis of the German Hodgkin Study Group (GHSG) HD14 Trial” aponta que o uso de esquema quimioterápico mais intensivo: BEACOPP-escalonado (bleomicina, etoposide, adriamicina, ciclofosfamida, vincristina, procarbazina, prednisona) mostrou-se superior no controle tumoral quando comparado ao padrão ABVD (adriamicina, bleomicina, vimblastina, dacarbazina) por quatro ciclos, seguido de radioterapia em campo envolvido.

Foram analisados 1.623 pacientes, sendo 818 no braço A (ABVD x 4) e 805 no braço B (ABVD x 2 + BEACOPP-esc x 2). As características dos pacientes foram bem balanceadas entre os dois braços, com mediana de idade de 33,6 anos, sendo a maioria dos pacientes com estádio IIA (67%). A taxa global de resposta foi de 95% em cada braço. Em um seguimento mediano de 42,4 meses, ocorreram 20 óbitos em cada braço, 19 neoplasias secundárias no braço A comparadas a 16 no braço B. Progressão de doença (PD) foi observada em 2,9% no braço A versus 0,9% no braço B. As taxas de recidiva precoce foram de 2,8% versus 0,9% e recidiva tardia de 2,3% versus 0,9% nos braços A e B, respectivamente. O tempo livre de progressão em quatro anos foi de 89,3% no braço A e 94,7% no braço B [p=0,0001, hazard ratio (HR)=2,04, 95% CI: 1,39-2,94]. Não foi observada diferença significativa na sobrevida global (SG) até o momento (p=0,95). As toxicidades agudas graus III e IV foram maiores no braço B com dose escalonada (87,1%) em relação ao braço A (50,7%), com leucopenia em 79% versus 24%, queda de cabelo de 48% versus 24%, trombocitopenia de 22% versus 0,1% e anemia de 9% versus 1%. 7,3% dos pacientes no braço B tiveram infecções graus III e IV contra 3,4% no braço A. Entretanto, não foram observadas significativas diferenças nas taxas de óbito relacionadas ao tratamento ou número de neoplasias secundárias entre os braços.

Ref.: Andreas Engert, MD, Peter Borchmann, MD, Annette Pluetschow, et al. Dose-Escalation with BEACOPP Escalated Is Superior to ABVD In the Combined-Modality Treatment of Early Unfavorable Hodgkin Lymphoma: Final Analysis of the German Hodgkin Study Group (GHSG) HD14 Trial. 52nd ASH Annual Meeting. Abstrato 765 (apresentado em 06 de Dezembro de 2010).

Comentário

Dr. Cid Buarque de Gusmão, médico oncologista e fundador do Centro de Combate ao Câncer.

A adoção do esquema ABVD como tratamento padrão para Doença de Hodgkin evoluiu da observação do menor perfil de toxicidade deste esquema em comparação aos regimes anteriores como o MOPP ou MOPP/ABVD, (Canellos et al. N Engl J Med 1992; 327: 1478-84), já que ambos resultam em taxa de sobrevida global semelhante. Estudos recentes, HD11 (J Clin Oncol. 2010; 28(27):4199-206), do GHSG e o H9-U do EORTC, comparando ABVD versus BEACOPP-baseline) com doses menores de adriamicina, etoposide e ciclofosfamida em comparação ao BEACOPP escalonado não mostraram superioridade deste último regime em relação ao clássico ABVD.

No estudo apresentado, apesar do significativo benefício em Sobrevida Livre de Progressão alcançado com o regime BEACOPP escalonado, fica evidente a maior toxicidade aguda do esquema em questão. As toxicidades em médio prazo foram iguais e as tardias ainda não completamente avaliadas. Mais importante: não foi, até o momento, observada diferença em sobrevida global, provavelmente devido ao seguimento mediano ainda curto. Em um país com dificuldade de acesso aos meios de saúde, recursos limitados e frente ao custo crescente da medicina, deve ser feita uma avaliação criteriosa antes de incorporarmos uma nova opção terapêutica, avaliando-se a relação risco/benefício e individualizando o tratamento. Penso que esquemas mais agressivos podem impactar de forma negativa na sobrevida dos pacientes, especialmente quando a superioridade em sobrevida global ainda não está claramente definida.

Leave a reply