Carnes vermelhas, carnes processadas e o risco do câncer

Em outubro de 2015 um grupo de especialistas da International Agency for Research on Cancer (IARC) se reuniu para avaliar o risco carcinogênico relacionado ao consumo de carne vermelha e de carne processada. Ou seja, o risco do desenvolvimento de câncer ao se alimentar com estes produtos.

O grupo funciona como o departamento responsável pelos assuntos ligados ao câncer na Organização Mundial da Saúde (WHO), atuando como conselheiro para a instituição, com foco em fatores ambientais e de estilo de vida que podem contribuir para a doença.

Em 26 de outubro o grupo divulgou suas conclusões, que serão publicadas no volume 114 da IARC Monographs.

Convêm, primeiro, esclarecer alguns conceitos, visto ser este um assunto que movimentará nas próximas semanas e meses a mídia e a população.

Carne vermelha se refere a carnes não processadas provenientes dos músculos de espécies mamíferas, como vaca, porco, carneiro e cabrito e que são comidas cozidas. Carne processada refere-se a carne que foi alterada por processos de cura, salga, defumação, fermentação ou adição de processos químicos, que procuram alterar seu sabor ou aumentar o período de conservação. São exemplos de carne processada as salsichas, linguiças, bacon e carnes enlatadas.

A carne vermelha, como sabemos, contem proteínas de importante valor biológico além de um número expressivo de vitaminas. Durante seu processamento através de métodos de cura, defumação ou mesmo ao grelharmos a carne em alta temperatura, diversos carcinogênicos químicos são formados, incorporados à carne, e podem estar relacionados ao desenvolvimento do câncer. De acordo com o potencial carcinogênico, as substâncias são analisadas e classificadas em grupos.

Desde 1971, o IARC avaliou mais de 900 substancias, atribuindo cada fator a um dos cinco grupos diferentes de classificação com base na probabilidade de representar um papel no desenvolvimento do câncer.

Cerca de 120 desses fatores foram caracterizados como carcinogênicos para humanos e divididos em grupos. No Grupo 1 estão as substâncias para as quais se possui evidência suficiente em estudos epidemiológicos e experimentais em animais do potencial carcinogênico. No Grupo 2A estão as substâncias colocadas como provavelmente carcinogênicas para humanos, enquanto o Grupo 2B é composto por substancias onde a evidência científica é limitada e assim classificadas como possivelmente carcinogênicas. O Grupo 3 refere-se a substancias com evidências inadequadas ou limitadas a experimentos em animais e no Grupo 4 estão as substâncias classificadas como possivelmente não carcinogênicas.

O grupo analisou mais de 800 estudos epidemiológicos que investigavam a associação de câncer e o consumo de carne vermelha e consumo de carne processada. Os estudos foram conduzidos em diversos países e continentes, com diversas etnias e tipos de dieta.

Os dados mais fortes relacionaram o consumo de carne processada na quantidade de 50g por dia com o aumento de 18% do risco de câncer coloretal, com dados estaticamente significativos para colocar a carne processada no Grupo 1, juntamente com o tabaco, radiação ionizante, alcool e outras substancias. Para a carne vermelha os dados não foram fortemente significativos, colocando-a no Grupo 2A, com um aumento de risco de 17% para o consumo de 100g por dia.

Apesar de importante, o estudo deve ser colocado em perspectiva. Apesar de colocar a carne processada no Grupo 1, o risco não é o mesmo em todas as substâncias deste grupo. O tabaco, por exemplo, aumenta em 20 vezes a probabilidade do indivíduo fumante desenvolver o câncer de pulmão. A carne processada, por seu lado, aumentaria o risco de câncer coloretal em 1,1 a 1,2 vezes. Ou seja, o risco existe, porém sua magnitudade é menor.

O painel não tem o papel de oferecer recomendações sobre o uso da carne vermelha, porém é uma importante ferramenta no desenvolvimento de políticas dietéticas governamentais e agências de saúde de todo o mundo.

É um exagero dizer que com base no estudo as pessoas não devem comer carne vermelha ou carne processada, porém o estudo nos mostra que as pessoas, definitivamente, não devem comer carne vermelha em todas as refeições e seguramente devem comer carne processada apenas raramente.

Ou seja, o estudo dá as pessoas mais razões para fazer uso de uma dieta balanceada, e representa um passo importante para ajudar as pessoas a fazer escolhas alimentares saudáveis. Orientações recentes da American Cancer Society enfatizam a importância de exercícios físicos e a escolha de peixes, aves e grãos como alternativa à carne processada e à carne vermelha. E ressaltam que ao comer carne vermelha deve-se priorizar cortes magros e tamanhos de porções menores.

 

REF.: IARC Monographs vol 114
Lancet Oncology out 26,2015

 

Cid Buarque de Gusmão
Oncologista Clínico

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