Viver com qualidade

Por Dra. Alba Valéria de Oliveira, médica oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

O principal estudo sobre segurança da preservação do ovário em mulheres com câncer endometrial em estágio inicial apontou que as taxas de sobrevivência em pacientes que têm os ovários removidos são similares àquelas que os têm preservados. Preservar os ovários pode poupar as mulheres dos efeitos secundários da menopausa induzida por cirurgia, como sensação de calor, secura vaginal, aumento em longo prazo de doenças cardíacas, osteoporose e fraturas do quadril. O estudo foi publicado no Jornal da Oncologia Clínica (www.jco.org) em janeiro de 2009.

A remoção cirúrgica do útero (histerectomia) é o tratamento padrão para o câncer endometrial. Durante o procedimento, os cirurgiões geralmente removem os ovários. Isso é feito para diminuir os riscos do câncer se espalhar pelo ovário e reduzir os níveis de estrógeno que podem estimular o crescimento de células endometriais cancerosas. O estudo mostra, entretanto, que esses riscos são pequenos.

O trabalho comparou a sobrevida em cinco anos entre 402 mulheres de até 45 anos que tiveram o diagnóstico precoce do câncer e nas quais o ovário não foi removido, e 3.269 mulheres na mesma faixa etária que tiveram o ovário removido. Todas foram diagnosticadas entre 1988 e 2004.

A sobrevida global em cinco anos foi similar nos dois grupos. Entre as mulheres que tiveram os ovários removidos, de 89% a 98% continuam vivas, dependendo do tamanho inicial do tumor. Nas mulheres que tiveram os ovários preservados foi observada uma sobrevida global de 86% a 100% em cinco anos, também variando de acordo com o tamanho inicial do tumor.

Em 2008, aproximadamente 40 mil mulheres foram diagnosticadas com câncer endometrial nos Estados Unidos e 7.470 morreram da doença, sendo que 8% desse total tinham menos de 45 anos.

A pesquisa sugere que os cirurgiões não precisam remover o ovário durante a cirurgia na maioria das mulheres mais jovens e com doença em estágio inicial, procedimento que foi padrão por muitos anos. Essas pacientes podem discutir a opção com seus médicos e decidir pela não remoção do ovário, o que pode ajudar a manter a qualidade de vida, evitando a menopausa induzida por cirurgia.

Hoje, a programação de tratamento em oncologia não considera apenas os índices de cura ou o aumento do tempo de sobrevida, mas também a qualidade de vida do paciente durante e após o tratamento. Para isso, as pesquisas médicas buscam desenvolver técnicas menos invasivas, porém não menos eficazes. O artigo ilustra muito bem essa linha de raciocínio. O câncer de endométrio (câncer do corpo do útero) acomete aproximadamente 40 mil mulheres por ano. Dessas, 15% têm a doença ainda na pré-menopausa, com seus ovários ativos e produzindo, principalmente, estrógenos. Desse grupo, mais de 50% estarão com seu tumor em estágio inicial, confinado ao útero, com evolução mais favorável.

O tratamento do tumor de endométrio é, salvo exceções, cirúrgico. Remove-se o útero e os ovários. Esses últimos para evitar que metástases ocultas nos ovários ou tumores primários de ovário possam se desenvolver ou, ainda, que células tumorais residuais fora do útero possam ser estimuladas a crescer pelos estrogênios. Com a remoção dos ovários, as pacientes jovens passam por menopausa precoce induzida cirurgicamente.

A diminuição dos níveis de estrogênio coloca as mulheres em risco para o aparecimento de diversos transtornos que podem ser imediatos, como as ondas intermitentes de calor intenso, secura vaginal e atrofia – ocasionando dor durante o ato sexual –, sangramento e maior suscetibilidade a infecções ginecológicas pela fragilidade e falta de proteção do epitélio da parede vaginal, além de instabilidade emocional e alterações de humor e da libido.

E há as sequelas tardias, que serão tanto mais frequentes e graves quanto maior for o tempo de privação hormonal, sendo as mais importantes o aumento do risco de doenças cardiovasculares, a osteoporose – levando a dor e fraturas – e as alterações da cognição: atenção, memória, percepção e raciocínio, entre outros.

Nesse estudo, os pesquisadores concluíram que a preservação dos ovários em pacientes na pré-menopausa, com tumores iniciais e de baixo grau (é importante ressaltar que no grupo de alto grau esse benefício foi menos significativo), não parece trazer risco de aumento das mortes por câncer, parecendo haver uma leve tendência a um aumento da sobrevida.

Concluindo, o importante desse trabalho é que ele deixa muito clara uma tendência atual quando se trata de escolha do tratamento oncológico: a individualização dos casos, com discussão entre médico e paciente dos riscos e benefícios de cada tipo de tratamento, levando-se em consideração não só a programação de tratamento que proporcione melhores resultados, mas também aquele que mais se aproxime do que cada pessoa define para si como é viver com qualidade.

 

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