Alteração do fenótipo molecular em tumores de mama

Perda da expressão do Receptor 2 de Fator de Crescimento Epidérmico (HER2) nos sítios metastáticos de tumores primários de mama com superexpressão de HER2

A modificação do fenótipo molecular (ER, PR e HER2) entre o câncer de mama primário e metastático tem sido cada vez mais relatada na literatura e evidenciada na prática clínica diária. Ainda não sabemos e a literatura é controversa sobre como o fenômeno ocorre e o que causa a mudança fenotípica. Algumas razões foram levantadas, como por exemplo, a instabilidade genômica, os efeitos do tratamento, subclones do tumor primário, uma conjunção de fatores ou mesmo outros ainda não aventados. Mais importante ainda: qual a importância clínica desta modificação fenotípica e como isto irá impactar no tratamento e prognóstico das pacientes?

Estudo publicado no Journal of Clinical Oncology – JCO, pelo grupo do MD Anderson Cancer Center nos E.U.A, analisou o banco de dados de 182 pacientes com câncer de mama metastático com HER2 positivo no tumor primário registradas no hospital. A metodologia do teste incluía realização de imuno-histoquímica (IHQ) e hibridização fluorescente in situ (FISH). O estudo avaliou se pacientes com tumores primários HER2 positivos tinham tumores metastáticos HER2 positivos (concordantes) ou HER2 negativos (discordantes). Após isto, foi então avaliado se o tratamento com quimioterapia ou trastuzumabe antes da biópsia da metástase tinha algum impacto na taxa de discordância na análise do HER2. Foi também comparada à sobrevida global das pacientes com HER2 concordantes e HER2 discordantes. Os investigadores descobriram que 24% (43 pacientes) dos tumores primários HER2 positivos modificaram-se para HER2 negativos na metástase ao longo do tempo. Taxas de discordância não diferiram significativamente entre as pacientes que receberam ou não trastuzumabe (p = 0,296). No entanto, um número maior de pacientes que receberam quimioterapia antes de realizar a biópsia dos tumores metastáticos tinham status HER2 discordante, em comparação com aquelas pacientes que não tinham recebido quimioterapia antes das biópsias (27% vs 10%, p = 0,022), incluindo as pacientes que não receberam o trastuzumabe (p = 0,003). Taxas de discordância não diferiram significativamente entre as pacientes tendo como referência o tempo em que as metástases foram diagnosticadas (na apresentação inicial versus na recidiva, p = 0,077), entre aqueles com metástases à distância versus local (p = 0,212), ou entre as pacientes com receptor hormonal positivo versus receptor hormonal negativo (p = 0,865). A relação entre HER2 + discordância e Sobrevida Global (SG) foi avaliada entre 168 pacientes com metástases à distância. Os grupos possuíam diferenças quanto às suas características: pacientes com status HER2 discordantes eram significativamente mais velhas do que aqueles sem status HER2 discordante (p = 0,013). Pacientes pré-menopausadas (p = 0,023) e aquelas com doença de grau 3 (p <0,001) foram mais comuns no grupo concordante em relação ao grupo discordante.

A SG foi significativamente maior no grupo concordante em relação ao grupo discordante (hazard ratio [HR], 0,47, p = 0,003). Na análise multivariada, após ajuste para idade, grau histológico, e estado menopausal, o status do HER2 continuou a ter um efeito significativo sobre a SG (HR, 0,36; p <0.001). Este efeito foi independente do uso de trastuzumabe. As pacientes com status HER2 concordantes entre tumores primários e sítios metastáticos apresentaram melhor sobrevida do que aquelas com status de HER2 discordantes. Quimioterapia, mas não trastuzumabe, foi associada com aumento de perda de positividade HER2 nas metástases em pacientes com superexpressão de HER2 no tumor primário da mama, e esta discordância foi associada a um pior prognóstico. Será necessário agora confirmar estes achados em estudo prospectivo e especialmente definir o impacto dos achados na abordagem terapêutica da paciente.

Dr. Cid Buarque de Gusmão,
 médico oncologista do Centro de Combate ao Câncer.


Referencias:

Loss of Human Epidermal Growth Factor Receptor 2 (HER2) Expression in Metastatic Sites of HER2-Overexpressing Primary Breast Tumors J Clin Oncol. 2012 Feb 20;30(6):593-599, N Niikura, J Liu, N Hayashi, E Mittendorf, Y Gong, S Palla, Y Tokuda, A Gonzalez-Angulo, G Hortoba- gyi, N Ueno.

Comentário

Dr. Ariel Kann, ex-médico oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

A incorporação de drogas de alvo-molecular na prática da Oncologia Clínica tem apresentado resultados promissores possuindo menos efeitos adversos do que a quimioterapia convencional. No caso do câncer de mama, o anticorpo monoclonal humanizado trastuzumabe revolucionou a história natural da doença desde sua aprovação em 1998, graças aos estudos do Dr. Dennis Slamon. Sabemos hoje que pacientes portadoras de tumores com hiperexpressão da proteína HER2 (20 a 25% dos casos) devem utilizar esta droga no contexto adjuvante, neoadjuvante ou metastático. O estudo descrito acima revela que em 24% dos casos ocorre perda da hiperexpressão do HER2 na metástase.

Conclui-se, portanto, que uma grande parcela das mulheres pode estar recebendo uma droga alvo (trastuzumabe) de alto custo e algum grau de toxicidade, sem nenhum benefício. A re-biópsia, logo, faz-se necessária. O fato da quimioterapia prévia e não o trastuzumabe alterarem o status do HER2 é intrigante. Acreditava-se até recentemente, devido aos estudos em neoadjuvância, que principalmente o trastuzumabe poderia alterar a expressão do HER2. Ainda não dispomos de uma explicação para este fenômeno, mas acredito que a heterogeneidade tumoral, descrita com perfeição por Gerlinger M., em recente estudo publicado no The New England Journal of Medicine, possa justificar estes resultados.

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